A dança da meia-calça com a viga.

sábado, agosto 09, 2014

Gatilho: suicídio.






[Sentiu o tecido apertar-lhe as veias]
Pessoas são só pessoas.
"Mãe, por onde foi que eu não te vejo mais?"
"Eu nunca quis uma filha, uma filha que me trouxe só dor e arrependimento".
[O tecido. Cortava-lhe as palavras]
Observou no espelho ao levantar naquela manhã. O mesmo olhar pela manhã no espelho. As olheiras. Os três mesmos furos nos orelhas. O mesmo cordão, o mesmo pingente. O mesmo cabelo cacheado. Assim como os mesmos horários, mesma rotina, mesmas palavras, mesmas desculpas. O mesmo inchaço matinal nos olhos. As mesmas lágrimas secas.
Fechou os olhos para jogar água quente no rosto. Seus dedos dedilhavam-lhe a pele enquanto os sabonete limpava as impurezas. Mas não limpava a vergonha, a culpa, as saudades, o medo e a solidão.
Pessoas são só pessoas.
[O tecido torceu-se um pouco e emitiu um som como se estivesse incomodada com aquilo]
"Incompentente"
"Irresponsável"
"Estranha"
"Triste"
Pessoas são só pessoas.
"Incompreensível"
"Culpada"
"Inconstante"
"Sozinha"
[Ugh! Doía]
Perdera ele e ele virara uma memória. Raiva, revolta e sangue.
Pessoas são só pessoas.
Quase perdera mais alguém. Incompetência de quem agora?! Gritos, telefone, ódio.
Impotência. Um oceano de distância de uma puta e ridícula impotência!
[Suas pernas soltas no ar]
Pessoas são só pessoas.
Apatia. Apatia com os outros e consigo mesmo.
Desesperança, pesadelos, retração de sentimentos familiares.
Rejeição. Não identificação. Diferente.
[Uma lágrima desliza por seu rosto, encontrando a meia-calça após este]
Infância que não foi infância.
Solidão.
Ausência.
"Eu só estou brincando com você".
Pânico.
Pessoas são só pessoas.
[E em um suspiro aliviado, adormeceu]

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