A deusa e o capacho.

domingo, fevereiro 01, 2015

Hoje ela, amanhã ninguém mais.
Foi com esse bilhete que ela começou a juntar cada luz que eu desperdiçava nas sombras do meu quarto. Ela juntava essa luz a cada beijo, a cada abraço, a cada vez que os seus cabelos se perdiam entre meus dedos. Porém, eu estava ciente do jogo dela. Havia um foco muito maior em coisas carnais. Não considerava luxúria o meu olhar sempre recair no formato que seus seios ficavam pressionados contra a cama, nem o jeito de brincar com a minha atenção enquanto saía do banho molhando todo o piso sem toalha - e me forçando a levantar do sofá para buscar uma. Considerava tudo isso... um instante.
Ela era mimada. E eu estava em um regime de escravidão sob o movimento da cintura dela. Porém, eu não estava apaixonada. Nem um pouco, pra falar a verdade. Eu também nunca soube se ela estava. Eu gostava dos rodeios e dos bicos que ela fazia, do jeito que me apertava contra a parede, da maneira que acendia o seu cigarro enquanto observava o pôr-do-sol. Eu a aceitava, mesmo ela sendo completamente diferente de tudo que eu era. Ela era um tanto quanto louca, e isso me fascinava. Ela não aceitava de jeito nenhum meus textos anteriores para outras pessoas. Não gostava dos desenhos que eu costumava fazer esperando o ônibus. Encrencava com todas as fotos na minha parede. Da feita que ela se tornou um interesse maior, minha segurança e ego tomaram conta. Entretanto, ela se revoltava cada vez mais. Nossa, e como! Me julgava, grunhia como um gato que ameaça atacar, falava que eu não me importava. E eu sorria docemente, enquanto tentava acalmar aquele ser que gritava e me crucificava. Ela se silenciava num abraço, enquanto eu lhe colocava no colo. Ah, aquelas noites que a possessividade dela explodia... eram noites divertidas.
Um dia, ela acordou diferente. E eu sabia que havia uma tempestade se aproximando. Ela não acendeu o cigarro no pôr-do-sol, mas sim ao levantar. Eu observei-a pelas costas por alguns minutos pensando nas coisas que iria escutar quando abrisse a porta de vidro daquela sacada. Ela finalizou seu terceiro cigarro e eu levantei para ir até ela. Outro cara. Desse roteiro de novela eu sabia de cor e salteado, mas estampei no rosto a surpresa enquanto as lágrimas dela rolavam camisola abaixo. Finalizei abraçando-a, soltando o clichê: "quero te ver feliz". Ela arrumou sua mochila sob a guarda dos meus olhos, enquanto eu tentava guardar na mente cada curva daquele cabelo, o jeito que ela desamassava a blusa e o caos que sua mochila se encontrava. Ela se curvou para um último beijo - que eu recuei. Nunca soube como teria sido a sensação de ter dado aquele beijo. Não que isso fosse solucionar o drama, porém fiquei na curiosidade.
As diretrizes daquele relacionamento sempre foram claras. A transparência era a nossa maior força. Ela foi o furacão que entrou no meu apartamento, trazendo tantos risos sinceros e comentários incríveis nas poucas semanas que manteve-se fiel à minha cama. Aquelas conversas estranhas às 04:30 da manhã, com aquele par de olhos claros sempre a me analisar. Quando ela partiu, fui fazer meu café enquanto me arrumava para mais um dia de trabalho. Eu deveria ter saído de casa vinte minutos antes. Se tem algo que me irrita profundamente são os atrasos. Praguejei contra ela por alguns segundos, para logo em seguida cair no riso pelo drama causado. Insensível? Egoísta? Me crucifique, fique a vontade. De qualquer maneira, ainda sinto o cheiro do cigarro daquela mulher extraordinária que amava a liberdade acima de tudo.





And she promises the earth to me, and I believe her
After all this time I don't know why

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